terça-feira, 20 de julho de 2010

CAIM



LIVRO “CAIM”

SARAMAGO, José. Caim, São Paulo : Companhia das Letras, 2009, 172 p.


RESENHA DA OBRA

CAIM é último livro publicado por JOSÉ SARAMAGO, que morreu no dia 18.07.2010. O romance narra com ironia a história bíblica de Caim, filho de Adão e Eva, que matou o irmão Abel. Caim cumpre a determinação de Deus de vagar errante pelo mundo após seu crime, mas em dado instante da narrativa, começa também a viajar no tempo. Ele transita, repentinamente, por diversas passagens do Antigo Testamento. A personagem está presente na provação de Abraão para com seu filho, na condenação das aldeias de Sodoma e Gomorra, na passagem do bezerro de ouro à época de Moisés, na casa de Jó e, por fim, na arca de Noé. Em todos esses episódios Saramago analisa as ações de Deus para constatar que o mesmo “não é de confiança”, como admitiria numa entrevista posterior.


TRECHO: “No terceiro dia da viagem, abraão viu ao longe o lugar referido. Disse então aos criados, Fiquem aqui com o burro que eu vou até lá adiante com o menino, para adorarmos o senhor e depois voltamos para junto de vocês. Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso, pronto a enganar qualquer um com a sua língua bífida (...). Chegando assim ao lugar de que o senhor lhe tinha falado, abraão construiu um altar e acomodou a lenha por cima dele. Depois atou o filho e colocou-o no altar, deitado sobre a lenha. Ato contínuo, empunhou a faca para sacrificar o pobre rapaz e já se dispunha a cortar-lhe a garganta quando sentiu que alguém lhe segurava o braço, ao mesmo tempo que uma voz gritava, Que vai você fazer, velho malvado, matar o seu próprio filho, queimá-lo, é outra vez a mesma história, começa-se por um cordeiro e acaba-se por assassinar aquele a quem mais se deveria amar” (p. 79/80)


CRÍTICA: O romance CAIM está longe de ser uma das obras primas de JOSÉ SARAMAGO. Diria até que, como PHILIP ROTH, o português é um grande escritor que pode se dar ao luxo de pequenas obras. Não há grandes inovações estéticas no livro, embora o escritor repita suas fórmulas consagradas, como narrador onisciente (num momento está no presente com as personagens, noutro avança no tempo e conta acontecimento futuros), discurso sem travessão, foco narrativo cambiante oscilando entre a primeira e a terceira pessoa etc. Mas há também escolhas infelizes, como o fato de escrever os nomes próprios com letra minúsculas, o que tem como resultado apenas confundir o leitor e dar ao texto uma má estética. Em CAIM, Saramago, um publicamente declarado ateu, reacende as mesmas polêmicas de O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO, publicado vinte anos antes.