sexta-feira, 6 de julho de 2012

Dom Casmurro




LIVRO ROMANCE DOM CASMURRO
ASSIS, Machado. Dom Casmurro: São Paulo: Martin Claret, 2002, 223 p.


Esse é considerado por muitos como o livro mais profundo de Machado de Assis, uma obra prima da literatura universal, trabalho que se tornou leitura obrigatória de universidades, escritores e estudiosos da língua portuguesa.


RESENHA DA OBRA

Bentinho é o Dom Casmurro, que decide “atar as duas pontas de sua vida”. Então, resolve narrar sua história. Ele mora em Matacavalos com sua mãe Dona Glória. Bentinho possuía uma vizinha que conviveu como "irmã-namorada" dele, Capitolina, a Capitu. Seu projeto de vida era claro. Sua mãe havia feito uma promessa de ele ir ao seminário e tornar-se padre. Cumprindo a promessa, Bentinho vai, embora sempre com vontade de sair. Se se tornasse padre, não poderia casar com Capitu. Finalmente sai e vai para o exterior. 


Quando retorna do exterior, Bentinho consegue casar com Capitu. Desde os tempos de seminário, ele era amigo de Escobar, agora casado e amigo íntimo do casal. Nasce o filho de Capitu, Ezequiel. Escobar falece e durante o seu velório Bentinho percebe que Capitu não chorava, mas aguçava um sentimento fortíssimo. A partir daí, começa o drama de Bentinho. Ele acha que o seu filho é a cara de Escobar. Lembra-se que já havia encontrado, algumas vezes, Capitu e Escobar sozinhos. Embora confiasse no amigo, que era casado e tinha até filha, o desespero de Bentinho é imenso.


CRÍTICA: Essa é a tríplice análise de um foco, visto no ponto de vista de uma mente conturbada, que é a de Bentinho. Comparo-o ao drama Othello, a luta eterna entre o bem o mal. Aqui Machado de Assis consegue incutir no leitor um discurso salpicado de objetividade (narra às claras o medo da traição) e de subjetivismo (ressentimento), naquela dubiedade que não terá solução aplausível. A técnica machadiana é terrível, pois dá vida ao narrador que afirma que foi  traído, mas o leitor não sabe se ele mente, se se ilude ou diz a verdade.


TRECHO: “Capitu e eu éramos pequenos. A porta não tinha chave nem tramelas; abria-se empurrando de um lado ou puxando de outro, e fechava-se ao peso de uma pedra pendente de uma corda. Era quase que exclusivamente nossa. Em crianças, fazíamos visita batendo de um lado, e sendo recebidos do outro com muitas mesuras. Quando as bonecas de Capitu adoeciam, o médico era eu.. entrava no quintal dela com um pau debaixo do braço, para imitar o bengalão do doutor João da Costa; tomava o pulso à doente e pedia-lhe que mostrasse a língua. “É surda, coitada!”, exclamava Capitu. Então eu coçava o queixo, como o doutor, e acabava mandando aplicar-lhe umas sanguessugas ou dar-lhe um vomitório; era a terapêutica habitual do médico”.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

ALÉTHEIA



        LIVRO ROMANCE ALÉTHEIA -  DAWN, Clara. Alétheia. Goiânia: KELPS, 2008, 209 p.


O livro é estreia da escritora CLARA DAWN no romance. Confeccionado em papel reciclado e com interessante capa, embora o título não seja muito feliz. Falta também dados biográficos da escritora, o que dificulta o trabalho de catalogação da obra.


RESENHA DA OBRA

Análise de três capítulos como noção global do trabalho.
* ALÉTHEIA inicia-se com a narração, em primeira pessoa, do suicídio da personagem Oscar, que culpa seu melhor amigo, Vicente, por seus infortúnios e deixa um bilhete de despedida. Trata-se de cena forte e escrita como se o leitor estivesse numa sala de cinema americano – a luz acaba, a chuva cai e um morto aguarda na sala.
TRECHO: “Naquele momento, eu fui tomado por uma comoção jamais sentida e chorei pedindo-lhe perdão e prometendo respeitá-lo a partir daquele instante. Nem assim ele moveu-se; e isso me perturbou. Mais uma vez, o clarão invadiu o quarto, fazendo-me ver seus olhos esbugalhados”.
CRÍTICA: Nesta parte do romance que CLARA DAWN chama de PRÓLOGO, mas que na verdade é já parte do corpo da obra, há uma leve pitada de GRACILIANO RAMOS em ANGÚSTIA, quando a solidão, a escuridão e a perturbação íntima desembocam numa situação extremamente aflitiva.


* No capítulo II, a história dá um salto para um ano adiante, mas toma como referencial a morte de Oscar. Vale lembrar que essa divisão por capítulos não existe no livro, mas será considerada neste texto, para melhor compreensão do romance e facilidade de seu manuseamento. A personagem Vicente vai encontrar sua terapeuta, Flávia Montês, e tratar da culpa que carrega pela morte do amigo Oscar, que era homossexual e sentia-se discriminado por Vicente.
TRECHO: “Levantei-me e caminhei pela sala. Surpreendi-me com a atitude da Dra. Flávia. Naquele dia, ela não fez o habitual: não fechou as cortinas, nem colocou aquela música sacra, muito menos exigiu que eu fizesse os exercícios de respiração”.
CRÍTICA: Há no livro a opção de colocar os diálogos em itálico que fica esteticamente bem. Melhor deixá-los como está no restante do texto, pois não se trata de uma citação especial ou, por exemplo, da narrativa de um sonho. Até aqui ainda não conhecemos as características livres de um romance e o livro se assemelha bastante a uma novela, com descrições quadro a quadro. Pesa igualmente desfavorável na prosa o fato de a escritora segurar bastante o período com excesso de pontuação. A tendência contemporânea é dar maior elasticidade e ritmo para auxiliar o leitor. São usados também vocábulos que pouco coloquias modernamente – “não entendia como um homem poderia não ter libido por garotas”.


* No capítulo III há uma história terrível. Uma mãe se prostitui, enquanto o filho, encharcado de gasolina aguarda no porão um castigo. A autora corta repentinamente a história e nos leva para uma cidade no interior de São Paulo, onde a cidade se desdobra. Depois de cobranças mútuas entre as personagens, chega-se a perder o fôlego de medo que a mãe queime o filho molhado de gasolina. No desfecho, ela joga o cigarro sobre o mesmo.
TRECHO: “Ele sentia frio, e todo o seu corpo franzino, molhado de gasolina, causava-lhe uma sensação vertiginosa. Já nem lembrava mais quando fora a última vez que brincou de bola com os amigos; certamente, quando seu pai ainda morava com aquela vagabunda. Não devia odiá-la, pois a vadia era sua mãe”.
CRÍTICA: A criação do cenário e a disposição das personagens neste capítulo foram muito bem estudados. O desdobramento da história em planos distintos foi feliz – num cômodo está a prostituta que trabalha ruidosamente, noutro o menino que aguarda o destino.


Considerações finais: Alétheia é uma romance muito bom, que lembra Machado de Assis em seus primeiros passos no caminho das letras e também nos reporta à análise do lado obscuro em cada um de nós. Há irregularidades, sim, mas todas elas não comprometem o conjunto da obra, que consegue segurar o leitor até o final desfecho.